Nunca esperei que um grupo de semideuses invadisse os meus dias de pandemia. Tudo começou com uma aluna de grego que, numa aula, me falou do Percy Jackson e das suas aventuras mitológicas. Disse-mo com a leveza de quem partilha um segredo precioso. No início não compreendi bem a mensagem, pois não conhecia o herói nem o seu criador, Rick Riordan, mas, como guardei a referência, fui investigar. Curiosamente, alguns dias depois, estávamos confinados em plena pandemia. Pesquisei esses livros e comprei pela Internet o primeiro da coleção dos deuses olímpicos. Li e gostei, apesar de verificar que há adaptações e recriações de mitos. Com os dias todos iguais e o mundo lá fora em suspenso, continuei a comprar os restantes livros e a alimentar, como um adolescente, uma ponte entre o real e o imaginário ao serviço de dilemas humanos. De facto, Rick Riordan traz-nos à tona um conjunto de deuses, de mitos e de monstros, enquanto nos fala, sobretudo, de coragem, de amizade e de diferença.

À medida que fomos desconfinando, fui apresentando os livros aos meus alunos de Latim e de Grego. Mas o que aconteceu foi um pequeno milagre literário. Verifiquei que alguns já conheciam. Outros atropelavam-se por querer ler. Um entusiasmo que não parava de crescer. Como verifiquei que o acolhimento dessa leitura era grande, acabei por oferecer para a biblioteca da escola essa coleção de 5 livros. Entreguei-os, quase com um nó na garganta, à funcionária da biblioteca, que os recebeu com um sorriso cúmplice — ela já sabia do que se tratava. Passou a ser ela a controlar os empréstimos, com o cuidado e o carinho que os livros merecem. E assim, os semideuses passaram a morar oficialmente na biblioteca da minha escola. Continuam a sair e a voltar, pelas mãos de miúdos que talvez, sem o saberem, encontram neles um espelho, um escape ou talvez uma chama. E eu, por vezes, ainda sorrio ao passar pela estante onde agora vivem — como quem reencontra velhos amigos. Afinal, foi no meio do silêncio pandémico que eles chegaram até mim, mas é no barulho cheio de vida da escola que realmente pertencem.
Já em 2023 e 2024 saíram os últimos volumes desta saga. Foi por isso que solicitei a sua aquisição para acrescento da coleção. Queria manter viva essa ligação tão genuína entre os livros e os leitores. Espero que continuem a ser bem recebidos, lidos com o mesmo entusiasmo, passados de mão em mão, com o brilho nos olhos de quem acabou de descobrir um universo só seu. E sei que, se voltar a ver um aluno com um desses livros debaixo do braço, distraído nos corredores, ainda imerso numa batalha do Olimpo, saberei que tudo isto continua a fazer sentido.
Fui recentemente às VII Jornadas de Estudos Clássicos em Faro e verifiquei que esse mesmo fenómeno tem atingido outras escolas pelo país. Percy Jackson conseguiu sair das salas de aula e chegar mais longe, formando quase uma comunidade silenciosa de jovens leitores, unidos pelo fascínio da mitologia greco-latina. É comovente perceber que, em plena azáfama escolar e nas inquietações da adolescência, ainda há livros capazes de aproximar tantos alunos — e que tudo teve origem numa sugestão lançada, quase ao acaso, numa aula. Obrigado, Laura.