Recusando
as insistentes rosas que vendedores estrangeiros me impingem, mantenho-me
alinhado para registar o momento. Enquanto aguardo pela minha vez de tirar uma fotografia,
lanço um olho ao telemóvel e leio, num jornal online, que Salvini
continua a não deixar atracar em Itália o navio Open Arms com emigrantes
resgatados no Mediterrâneo.
Demitidas
mais duas rosas, avanço na fila enquanto devoro o resto da notícia. Felizmente,
Portugal e outros países europeus disponibilizaram-se já a receber aquela gente
que se entregou à Fortuna e a Poseidon numa Odisseia muitas vezes fatídica. Só
já resta um casal de americanos à minha frente que tenta parar o tempo com uma
sequência infindável de fotografias, a partir de todos os ângulos. Afastando da
minha mente o culto a Narciso, mergulho de novo o olhar no telemóvel. Constato
que o líder da estrema direita ameaça romper coligação com o 5 estrelas
por estes defenderem o atracar da embarcação. Entretanto, o casal continua a
enquadrar-se em todas as estátuas de Nicola Salvi, de Pietro Bracci e de Giuseppe
Pannini. 134 pessoas aguardam dentro do mar por serem salvas e eu tenho à minha
volta um mar de gente “matando-se” por uma fotografia que registe o momento em que
lançam para trás uma moeda, passando a mão direita sobre o ombro esquerdo como
manda a tradição ou a superstição.
A mesma
Roma que viu nascer em si o direito romano presente no sistema jurídico de
muitos países, a mesma Roma que viu Miguel Ângelo pintar «A criação de Adão» no
teto da capela Sistina e esculpir a «Pietà», perdeu agora toda a piedade por
seres da mesma criação, que apenas fogem de países onde as bases do direito
romano não chegaram. Finalmente atiro ao ar uma moeda que mergulha e enriquece
a fonte de Trevi. Olho ainda para trás e prendo nas retinas as estátuas de
mármore de Carrara onde se destaca o “Oceano” e a sua carruagem guiada por dois
cavalos conduzidos por dois tritões (versão masculina das sereias).
Nos meses de julho e agosto,
milhares de turistas percorrem a cidade fundada por Rómulo e Remo, desde a
praça de Navona ao Coliseu, desde a fonte de Trevi ao Vaticano; em qualquer
esquina há um monumento, uma igreja, uma fonte; todos procuram beber a cultura
da cidade que já foi a capital do império. Todos passarão a fazer jus a uma
série de ditados aí criados: “Em Roma, sê romano”, levando-nos a consumir que
nem um habitante local; “Roma e Pavia não se fizeram num só dia”, mostrando a
grandiosidade espacial a conhecer; “ir a Roma e não ver o Papa”, paragem
obrigatória para receber a bênção Vrbi et Orbi; “Quem tem boca vai a
Roma”, já que esta cidade era o centro do mundo à qual todos os cantos do
Império estariam ligados, mas também porque quem consegue perguntar, conseguirá
lá chegar facilmente. No entanto, em vez de baixarmos os polegares à maneira
dos imperadores romanos e condenarmos aquela gente num digladio marítimo,
devemos levantá-los e recordar as glórias e méritos passados da cidade eterna.
Enquanto
os dedos indiferentes continuarem virados para o mar, diremos de viva voz “Quem
tem boca vaia Roma”, sim, vaia, do verbo vaiar, já que na antiga Roma, quem não
estivesse de acordo com questões políticas, nada podia fazer a não ser apupar,
isto é, vaiar.
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