quarta-feira, 4 de junho de 2025

O segredo de Percy Jackson

Nunca esperei que um grupo de semideuses invadisse os meus dias de pandemia. Tudo começou com uma aluna de grego que, numa aula, me falou do Percy Jackson e das suas aventuras mitológicas. Disse-mo com a leveza de quem partilha um segredo precioso. No início não compreendi bem a mensagem, pois não conhecia o herói nem o seu criador, Rick Riordan, mas, como guardei a referência, fui investigar. Curiosamente, alguns dias depois, estávamos confinados em plena pandemia. Pesquisei esses livros e comprei pela Internet o primeiro da coleção dos deuses olímpicos. Li e gostei, apesar de verificar que há adaptações e recriações de mitos. Com os dias todos iguais e o mundo lá fora em suspenso, continuei a comprar os restantes livros e a alimentar, como um adolescente, uma ponte entre o real e o imaginário ao serviço de dilemas humanos. De facto, Rick Riordan traz-nos à tona um conjunto de deuses, de mitos e de monstros, enquanto nos fala, sobretudo, de coragem, de amizade e de diferença. 

À medida que fomos desconfinando, fui apresentando os livros aos meus alunos de Latim e de Grego. Mas o que aconteceu foi um pequeno milagre literário. Verifiquei que alguns já conheciam. Outros atropelavam-se por querer ler. Um entusiasmo que não parava de crescer. Como verifiquei que o acolhimento dessa leitura era grande, acabei por oferecer para a biblioteca da escola essa coleção de 5 livros. Entreguei-os, quase com um nó na garganta, à funcionária da biblioteca, que os recebeu com um sorriso cúmplice — ela já sabia do que se tratava. Passou a ser ela a controlar os empréstimos, com o cuidado e o carinho que os livros merecem. E assim, os semideuses passaram a morar oficialmente na biblioteca da minha escola. Continuam a sair e a voltar, pelas mãos de miúdos que talvez, sem o saberem, encontram neles um espelho, um escape ou talvez uma chama. E eu, por vezes, ainda sorrio ao passar pela estante onde agora vivem — como quem reencontra velhos amigos. Afinal, foi no meio do silêncio pandémico que eles chegaram até mim, mas é no barulho cheio de vida da escola que realmente pertencem. 

Já em 2023 e 2024 saíram os últimos volumes desta saga. Foi por isso que solicitei a sua aquisição para acrescento da coleção. Queria manter viva essa ligação tão genuína entre os livros e os leitores. Espero que continuem a ser bem recebidos, lidos com o mesmo entusiasmo, passados de mão em mão, com o brilho nos olhos de quem acabou de descobrir um universo só seu. E sei que, se voltar a ver um aluno com um desses livros debaixo do braço, distraído nos corredores, ainda imerso numa batalha do Olimpo, saberei que tudo isto continua a fazer sentido.

Fui recentemente às VII Jornadas de Estudos Clássicos em Faro e verifiquei que esse mesmo fenómeno tem atingido outras escolas pelo país. Percy Jackson conseguiu sair das salas de aula e chegar mais longe, formando quase uma comunidade silenciosa de jovens leitores, unidos pelo fascínio da mitologia greco-latina. É comovente perceber que, em plena azáfama escolar e nas inquietações da adolescência, ainda há livros capazes de aproximar tantos alunos — e que tudo teve origem numa sugestão lançada, quase ao acaso, numa aula. Obrigado, Laura.

2 comentários:

  1. De nada, professor! O prazer foi meu! (E para piorar a coisa, há uma nova colecção em Setembro)

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  2. Mas isso é maravilhoso! Obrigado mais uma vez!

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