quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Sede


Tocado por uma tímida brisa, que me desperta duma efémera sonolência, abro e fecho repetidamente as pálpebras para me certificar do local em que me encontro. Ao erguer a vista, o Pártenon lança-me, ao longe, adrenalina nas veias pela janela do hotel em que me encontro hospedado, mesmo à frente da praça Sintagma. Os meus olhos saltam pela janela e perscrutam o parlamento e os seus Evzones «de bela cintura» que marcham num ritmo hipnótico levantando bem alto as suas pomposas botas de 3 quilos.
Há três dias que me encontro em Atenas e já observei a acrópole das mais diversas perspetivas e distâncias. Da mesma forma que “todos os caminhos vão dar a Roma”, aqui todos os olhares vão dar à acrópole. Felizmente posso pernoitar no último piso do hotel; sinto-me quase ao nível daquele templo dedicado à deusa da sabedoria e mais perto do Olimpo.
Esse templo dedicado a Atena e erigido durante o século dourado de Péricles tornou-se num dos monumentos mais conhecidos em toda a humanidade e também o símbolo e a sede da democracia grega. De facto, essa enorme construção física do século V a.C. transformou-se num grande testemunho e numa grandiosa obra moral que herdámos dos gregos – a democracia.
Deambulo pelas ruas e observo rostos trabalhadores insatisfeitos pela supremacia retirada com a recente crise. Observo-lhes a alma helénica dos tempos homéricos em que venceram Troia. Ultimamente, passados tantos séculos, é a Troi[k]a e também a Europa sua herdeira, que lhes subtraem os direitos e os ensinamentos que outorgaram. Reparo ainda nos turistas que parecem mais entretidos a beber frappês e a adquirir recordações do que a absorver os ensinamentos e a cultura da Hélade.
          Junto à Ágora vejo um rosto coberto que pede esmola no meio de dois andrajosos filhos menores. Parecem-me refugiados; talvez sírios. Os olhares opacos das crianças escondem talvez a morte da figura paterna ou até de algum irmão num naufrágio no Mediterrâneo.
Felizmente a moral grega continua a dar cartas e recebe estes imigrantes; não os impede de entrar nem os envia para trás, para a morte quase certa donde fugiram. Quando decidiram não fechar as suas fronteiras às vagas de refugiados, mostraram que a sua cultura milenar é a mesma dos pais da filosofia, da geografia, da história, da matemática, da medicina, da política, bem como de muitos outros pensadores, artistas e escritores, que saciaram a sua sede na fonte das águas do Parnaso e na inesgotável alma mater helena, nossa egrégia avó.

Sem comentários:

Enviar um comentário